Esperança Cristã



Não é a ciência que redime o homem. O homem é redimido pelo amor. Isto vale já no âmbito deste mundo. Quando alguém experimenta na sua vida um grande amor, conhece um momento de « redenção » que dá um sentido novo à sua vida. Mas, rapidamente se dará conta também de que o amor que lhe foi dado não resolve, por si só, o problema da sua vida. É um amor que permanece frágil. Pode ser destruído pela morte. O ser humano necessita do amor incondicionado. Precisa daquela certeza que o faz exclamar: « Nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem o presente, nem o futuro, nem as potestades, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor » (Rm 8, 38-39). Se existe este amor absoluto com a sua certeza absoluta, então – e somente então – o homem está « redimido », independentemente do que lhe possa acontecer naquela circunstância. É isto o que se entende, quando afirmamos: Jesus Cristo « redimiu-nos ». Através d'Ele tornamo-nos seguros de Deus – de um Deus que não constitui uma remota « causa primeira » do mundo, porque o seu Filho unigênito fez-Se homem e d'Ele pode cada um dizer: « Vivo na fé do Filho de Deus, que me amou e Se entregou a Si mesmo por mim » (Gl 2, 20).

Neste sentido, é verdade que quem não conhece Deus, mesmo podendo ter muitas esperanças, no fundo está sem esperança, sem a grande esperança que sustenta toda a vida (cf. Ef 2, 12). A verdadeira e grande esperança do homem, que resiste apesar de todas as desilusões, só pode ser Deus – o Deus que nos amou, e ama ainda agora « até ao fim », « até à plena consumação » (cf. Jo 13, 1 e 19, 30). Quem é atingido pelo amor começa a intuir em que consistiria propriamente a « vida ». Começa a intuir o significado da palavra de esperança que encontramos no rito do Batismo: da fé espero a « vida eterna » – a vida verdadeira que, inteiramente e sem ameaças, em toda a sua plenitude é simplesmente vida. Jesus, que disse de Si mesmo ter vindo ao mundo para que tenhamos a vida e a tenhamos em plenitude, em abundância (cf. Jo 10, 10), também nos explicou o que significa « vida »: « A vida eterna consiste nisto: Que Te conheçam a Ti, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a Quem enviaste » (Jo 17, 3). A vida, no verdadeiro sentido, não a possui cada um em si próprio sozinho, nem mesmo por si só: aquela é uma relação. E a vida na sua totalidade é relação com Aquele que é a fonte da vida. Se estivermos em relação com Aquele que não morre, que é a própria Vida e o próprio Amor, então estamos na vida. Então « vivemos ».

Surge agora, porém, a questão: não será que, desta maneira, caímos de novo no individualismo da salvação? Na esperança só para mim, que aliás não é uma esperança verdadeira porque esquece e descuida os outros? Não. A relação com Deus estabelece-se através da comunhão com Jesus – sozinhos e apenas com as nossas possibilidades não o conseguimos. Mas, a relação com Jesus é uma relação com Aquele que Se entregou a Si próprio em resgate por todos nós (cf. 1 Tm 2,6). O fato de estarmos em comunhão com Jesus Cristo envolve-nos no seu ser « para todos », fazendo disso o nosso modo de ser. Ele compromete-nos a ser para os outros, mas só na comunhão com Ele é que se torna possível sermos verdadeiramente para os outros, para a comunidade. Neste contexto, queria citar o grande doutor grego da Igreja, S. Máximo o Confessor († 662), o qual começa por exortar a não antepor nada ao conhecimento e ao amor de Deus, mas depois passa imediatamente a aplicações muito práticas: « Quem ama Deus não pode reservar o dinheiro para si próprio. Distribui-o de modo “divino” [...] do mesmo modo segundo a medida da justiça ». Do amor para com Deus consegue a participação na justiça e na bondade de Deus para com os outros; amar a Deus requer a liberdade interior diante de cada bem possuído e de todas as coisas materiais: o amor de Deus revela-se na responsabilidade pelo outro. A mesma conexão entre amor de Deus e responsabilidade pelos homens podemos observá-la com comoção na vida de S. Agostinho. Depois da sua conversão à fé cristã, ele, juntamente com alguns amigos possuídos pelos mesmos ideais, queria levar uma vida dedicada totalmente à palavra de Deus e às realidades eternas. Pretendia realizar com valores cristãos o ideal da vida contemplativa expressa pela grande filosofia grega, escolhendo deste modo « a melhor parte » (cf. Lc 10, 42). Mas as coisas foram de outro modo. Participava ele na Missa dominical, na cidade portuária de Hipona, quando foi chamado pelo Bispo do meio da multidão e instado a deixar-se ordenar para exercer o ministério sacerdotal naquela cidade. Olhando retrospectivamente para aquela hora, escreve nas suas « Confissões »: « Aterrorizado com os meus pecados e com o peso da minha miséria, tinha resolvido e meditado em meu coração, o projeto de fugir para o ermo. Mas Vós mo impedistes e me fortalecestes dizendo: “Cristo morreu por todos, para que os viventes não vivam para si, mas para Aquele que morreu por todos” (cf. 2 Cor 5, 15) ». Cristo morreu por todos. Viver para Ele significa deixar-se envolver no seu « ser para ».

Para Agostinho, isto significou uma vida totalmente nova. Assim descreveu ele uma vez o seu dia a dia: « Corrigir os indisciplinados, confortar os pusilânimes, amparar os fracos, refutar os opositores, precaver-se dos maliciosos, instruir os ignorantes, estimular os negligentes, frear os provocadores, moderar os ambiciosos, encorajar os desanimados, pacificar os litigiosos, ajudar os necessitados, libertar os oprimidos, demonstrar aprovação aos bons, tolerar o maus e [ai de mim!] amar a todos ». « É o Evangelho que me assusta » – aquele susto salutar que nos impede de viver para nós mesmos e que nos impele a transmitir a nossa esperança comum. De fato, era esta precisamente a intenção de Agostinho: na difícil situação do império romano, que ameaçava também a África romana e – no final da vida de Agostinho – até a destruiu, transmite esperança, a esperança que lhe vinha da fé e que, contrariamente ao seu temperamento introvertido, o tornou capaz de participar decididamente e com todas as forças na edificação da cidade. No mesmo capítulo das Confissões, onde acabamos de ver o motivo decisivo do seu empenhamento « por todos », diz ele: Cristo « intercede por nós. Doutro modo desesperaria, pois são muitas e grandes as minhas fraquezas! Sim, são muito pesadas, mas maior é o poder da vossa medicina. Poderíamos pensar que a vossa Palavra Se tinha afastado da união com o homem e desesperado de nos salvar, se não se tivesse feito homem e habitado entre nós ». Em virtude da sua esperança, Agostinho prodigalizou-se pelas pessoas simples e pela sua cidade – renunciou à sua nobreza espiritual e pregou e agiu de modo simples para a gente simples.

Façamos um resumo daquilo que emergiu no desenrolar das nossas reflexões. O homem, na sucessão dos dias, tem muitas esperanças – menores ou maiores – distintas nos diversos períodos da sua vida. Às vezes pode parecer que uma destas esperanças o satisfaça totalmente, sem ter necessidade de outras. Na juventude, pode ser a esperança do grande e fagueiro amor; a esperança de uma certa posição na profissão, deste ou daquele sucesso determinante para o resto da vida. Mas quando estas esperanças se realizam, resulta com clareza que na realidade, isso não era a totalidade. Torna-se evidente que o homem necessita de uma esperança que vá mais além. Vê-se que só algo de infinito lhe pode bastar, algo que será sempre mais do que aquilo que ele alguma vez possa alcançar. Neste sentido, a época moderna desenvolveu a esperança da instauração de um mundo perfeito que, graças aos conhecimentos da ciência e a uma política cientificamente fundada, parecia tornar-se realizável. Assim, a esperança bíblica do reino de Deus foi substituída pela esperança do reino do homem, pela esperança de um mundo melhor que seria o verdadeiro « reino de Deus ». Esta parecia finalmente a esperança grande e realista de que o homem necessita. Estava em condições de mobilizar – por um certo tempo – todas as energias do homem; o grande objetivo parecia merecedor de todo o esforço. Mas, com o passar do tempo fica claro que esta esperança escapa sempre para mais longe. Primeiro deram-se conta de que esta era talvez uma esperança para os homens de amanhã, mas não uma esperança para mim. E, embora o elemento « para todos » faça parte da grande esperança – com efeito, não posso ser feliz contra e sem os demais – o certo é que uma esperança que não me diga respeito a mim pessoalmente não é sequer uma verdadeira esperança. E tornou-se evidente que esta era uma esperança contra a liberdade, porque a situação das realidades humanas depende em cada geração novamente da livre decisão dos homens que dela fazem parte. Se esta liberdade, por causa das condições e das estruturas, lhes fosse tirada, o mundo, em última análise, não seria bom, porque um mundo sem liberdade não é de forma alguma um mundo bom. Deste modo, apesar de ser necessário um contínuo esforço pelo melhoramento do mundo, o mundo melhor de amanhã não pode ser o conteúdo próprio e suficiente da nossa esperança. E, sempre a este respeito, pergunta-se: Quando é « melhor » o mundo? O que é que o torna bom? Com qual critério se pode avaliar o seu ser bom? E por quais caminhos se pode alcançar esta «bondade»?

Mais ainda: precisamos das esperanças – menores ou maiores – que, dia após dia, nos mantêm a caminho. Mas, sem a grande esperança que deve superar todo o resto, aquelas não bastam. Esta grande esperança só pode ser Deus, que abraça o universo e nos pode propor e dar aquilo que, sozinhos, não podemos conseguir. Precisamente o ser gratificado com um dom faz parte da esperança. Deus é o fundamento da esperança – não um deus qualquer, mas aquele Deus que possui um rosto humano e que nos amou até ao fim: cada indivíduo e a humanidade no seu conjunto. O seu reino não é um além imaginário, colocado num futuro que nunca mais chega; o seu reino está presente onde Ele é amado e onde o seu amor nos alcança. Somente o seu amor nos dá a possibilidade de perseverar com toda a sobriedade dia após dia, sem perder o ardor da esperança, num mundo que, por sua natureza, é imperfeito. E, ao mesmo tempo, o seu amor é para nós a garantia de que existe aquilo que intuímos só vagamente e, contudo, no íntimo esperamos: a vida que é « verdadeiramente » vida. Procuremos concretizar ainda mais esta ideia na última parte, dirigindo a nossa atenção para alguns « lugares » de aprendizagem prática e de exercício da esperança.

1 comentários:

Telma disse...

Gostei demais dessa postagem. tudo isso é verdade, a nossa esperança estar em Deus, nosso Pai.